Ana
Carolina Moreno
Do G1, em São Paulo
Garçonete
e estudante que se tornou o rosto mais conhecido dos protestos pela melhoria do
transporte público no Brasil, Mayara Longo Vivian, representante do Movimento
Passe Livre (MPL), é radical tanto na hora de expor as posições do grupo, que a
elegeu, entre outros membros, como porta-voz na atual jornada de lutas, como na
hora de resguardar os detalhes de sua vida pessoal. "Para me ouvir falar
da minha vida, só sentando comigo na mesa do bar. O movimento tem as suas
convicções políticas e eu tenho as minhas", explicou ela ao G1 na
tarde de terça-feira (25), na Câmara Municipal de São Paulo.
Há dois
motivos para que a jovem de 23 anos não pose para fotos e se recuse a revelar
dados como o bairro onde vive, a profissão de seus pais, como ela entrou no
grupo ou o motivo de ter ingressado no curso de história em 2007 e transferido
para o de geografia 2 anos depois. O primeiro motivo é evitar possíveis
perseguições por parte de quem não quer ver as reivindicações do MPL saírem do
papel e processos criminais, que o grupo teme sofrer depois que a opinião
pública diminuir a atenção ao tema.
O
segundo, de acordo com ela, é não se deixar explorar pela imprensa e desvirtuar
o debate ao qual ela tem dedicado praticamente todo o tempo em que não está
trabalhando. "A mídia tenta personalizar o grupo e contar histórias para
esvaziar o movimento", disse ela. Quando instada a falar sobre si, ela é
categórica. "Sou uma menina normal como qualquer menina normal, como
qualquer cara normal. Sou só uma pessoa. Eu não sou ninguém, isso você pode
escrever."
Mayara
não é a única porta-voz do movimento, mas acabou emergindo entre os demais
membros depois que, no dia 11 de junho, o MPL publicou na internet um pedido de
reunião protocolado no Ministério Público com a assinatura e o telefone celular
dela.
Apesar da
fama repentina, à qual ela diz ainda estar se acostumando, Mayara segue
solícita aos inúmeros pedidos de entrevista e cumpre o papel ao qual foi
incumbida por decisão coletiva do MPL neste ano. Além das entrevistas antes,
durante e depois dos protestos, das repercussões das reuniões de negociação com
o governo e após a redução da tarifa anunciada em São Paulo e no Rio, ela
também esteve entre o seleto grupo de quatro membros do MPL-SP e dois do grupo
do Distrito Federal que se reuniu com a presidente Dilma Rousseff na
segunda-feira (24).
O
encontro não a deixou deslumbrada. "A gente esperava que ela tivesse propostas
mais concretas", comentou brevemente a estudante, enquanto bebia um copo
d'água antes da reunião seguinte, com vereadores que tampouco a deixariam
impressionada.
Cansaço e
fome
Na terça, ela seguiu do aeroporto à Câmara Municipal de São Paulo, para assistir
a uma reunião às 14h. De almoço, apenas um falafel para a militante
vegetariana, feminista, tatuada e corintiana que hoje considera luxo uma noite
com 6 horas de sono. "Deem uma bolachinha para ela", pediram os
outros dois militantes do grupo ao repórter da TV Câmara que implorava por uma
entrevista exclusiva de "10 minutinhos", que Mayara concedeu com
paciência, depois de um copo cheio de café que ela encontrou pelo caminho.
Os dois
jovens que a acompanharam foram embora antes – nenhum deles está entre o grupo
de militantes "públicos" do MPL, escolhidos de forma coletiva de
acordo com a vontade e habilidade de cada um, e não poderiam conceder a
entrevista. A estudante de direito Nina Capello, que também faz parte do núcleo
público do grupo, já havia ido embora. Outro deles, Marcelo Hotimsky, que
estuda filosofia, estava na ocupação popular do Edifício Mauá, onde naquela
tarde ocorria um despejo.
Ao final
da entrevista e das tomadas feitas pelo cinegrafista em vários ângulos, sete
chamadas não atendidas esperavam por Mayara no celular que ficou na mochila.
Ela decidiu não retornar nenhuma: já eram quase 17h e ela ainda precisava
caminhar, debaixo de uma garoa, até o Sindicato dos Químicos, onde participaria
de uma atividade.
No
caminho até lá, mais um telefonema, mais uma atividade agendada. Ela relembra
com carinho a jornada de lutas de 2011, quando a tarifa em São Paulo subiu de R$
2,70 para R$ 3,00. Naquela época, o rodízio de tarefas a deixou longe dos
holofotes. "Mal posso esperar para isso tudo passar", disse a jovem
que estudou a vida inteira na rede pública – ela terminou o ensino médio em uma
escola técnica estadual no Ipiranga, na Zona Sul, e no ano seguinte ingressou
na USP.
Rúgbi
vice-campeão
Desde que a campanha atual começou e, principalmente, depois que ela ganhou
proporções inéditas na história de 8 anos do Movimento Passe Livre, Mayara tem
sacrificado diversas atividades pessoais em prol da militância. Uma delas, os
treinos de rúgbi da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humandas (FFLCH),
ela acabou abandonando temporariamente. Ela só soube na terça que suas colegas
do time Rugbellas haviam sido vice-campeãs de um torneio universitário em Rio Claro (SP), dez dias
antes. "Preciso ligar pras meninas. Ando tão sem tempo que de algumas coisas
só fico sabendo pela imprensa", afirmou.
Dormir a
noite toda e comer sentada em uma mesa viraram necessidade secundária. Mas ela
tem conciliado as passeatas que entram na madrugada, os encontros do MPL e as
reuniões com a presidente e outros políticos com seus turnos de garçonete.
"Ainda preciso pagar minhas contas."
Apesar de
evitar revelar detalhes pessoais, Mayara já aceitou que certas atividades suas
sejam de conhecimento público, por causa do seu perfil no Facebook. A maioria
de suas fotos são de treinos e jogos de rúgbi. A jovem disse que não pensou
muito sobre deixar ou não seu perfil público – outros membros do MPL acabaram
deletando suas contas por causa da exposição.
A jovem
condenou ataques que outros membros sofreram em suas faculdades por participarem
do grupo. Ela disse ter sorte de estudar em uma faculdade da USP com um grande
contingente de pessoas de esquerda e não ter tido problemas. No entanto, Mayara
reclamou do número de jornalistas que procuraram seus chefes no bar onde ela
trabalha, em um bairro boêmio da Zona Oeste.
Políticos
e Ramones
Na terça, na reunião do colégio de líderes da Câmara, apenas duas pessoas além
dos vereadores receberam aval para discursar. A primeira foi Mayara. De tênis,
legging e uma camiseta do MPL por cima de um top, que deixava escapar tatuagens
embaixo da manga direita e da gola, ela segurava um pedaço de papel com o
rascunho de sua fala nas mãos de unhas pintadas com esmalte azul esverdeado.
Mayara não desperdiçou o curto tempo em que dominou o microfone.
"Primeiro
gostaria de dizer que não gosto de políticos. Eu gosto de Ramones (banda punk
da década de 70)", começou a estudante de geografia. Na Sala Tiradentes,
que tem espaço para 57 pessoas sentadas, mas que naquela hora tinha lotação
esgotada e outras dezenas de pessoas em pé, Mayara fez questão de lembrar para
quem reclamava do aperto que "o ônibus é muito mais cheio".
Sobre a
possibilidade de deixar a CPI para depois do recesso, ela lembrou aos
vereadores presentes que essa era uma "decisão política" e que
"protesto não tem recesso", podendo inclusive ser feito na praia,
caso os vereadores decidam descer ao Litoral em vez de permanecer na capital
trabalhando.
A reunião
acabou sem resultado: os vereadores decidiram não definir a pauta, e a
aprovação de uma CPI só foi conseguida na sessão no plenário, na quarta-feira
(26). Nesta quinta (27), os vereadores decidem qual pedido aceitarão: há três
propostas diferentes em disputa pelas bancadas, já que o autor da que for
aprovada presidirá a comissão. Em suas declarações à imprensa, a porta-voz do
MPL defendeu a investigação do transporte municipal da forma "mais clara e
rápida possível", inclusive se houver necessidade de trabalhar em julho.
"O Brasil está parado e eles querem tirar férias", disse ela,
lembrando que a discussão sobre uma possível CPI só surgiu por causa da
"força do povo" nas ruas. "Só faltou pedirem para o povo comer
brioches."
E deixou
claro, mais uma vez, o caráter apartidário do Movimento Passe Livre.
"Alguns políticos apoiam a gente, mas nós não apoiamos nenhum
político."
