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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Artigo

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As pedras de Soraya
  
O jornalismo pode ser uma nuvem do bem, se a profissão for exercida com apreço, determinação, lealdade e uma boa dose de boa vontade para ouvir uma história, seja lá de onde e como ela vier. Por educação, as pessoas já são ensinadas a ouvir para serem ouvidas. No caso do jornalista, esta responsabilidade se multiplica e pode transformar seu trabalho numa dádiva divina.

Em agosto de 1986, o jornalista franco-iraniano Freidoune Sahebjam viajou ao Irã, em reportagem para avaliar o impacto da Revolução Islâmica dos aiatolás, ocorrida anos antes,
em 1979. Seu carro quebrou no vilarejo de Kupayeh e ele foi convencido pela tia de Soraya Manutchehri a ouvir a história de seu apedrejamento e morte.

Soraya foi acusada injustamente de adultério e executada com a praça pública lotada, na véspera. Seu pai e seus filhos atiraram as primeiras pedras. Após ouvir e gravar a história, o jornalista foi perseguido pelos moradores, que temiam ver exposto seu cruel e trágico gesto. Mas, por um ardil, conseguiu voltar à Europa com a fita cassete no bolso.

Um livro por ele escrito e a adaptação para um esplendoroso filme dirigido pelo americano, também de origem iraniana, Cyrus Nowrasteh, ajudaram a colocar em pauta uma dessas atrocidades que são cometidas em nome de supostas crenças ou religiões. O mundo protestou e a prática tornou-se tímida, ainda que se repita. Ainda.

A atitude do jornalista foi da curiosidade ao asco, mas há ingredientes a mais neste contexto todo, entre eles a prontidão e a lisura, primordiais para quem pretende escrever o tempo em que vivemos. Quem vive do ofício, sabe como é importante ter o caráter ilibado para criar convicção. E estar pronto para conhecer uma história, de repente.

Valdir Dias
Jornalista

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