DEPOIMENTO A MORRIS KACHANI DE SÃO PAULO
Mauricio
de Sousa, 77, criador da Mônica, do Cebolinha e do maior estúdio da América
Latina, chegou a correr o risco de ficar inadimplente, com dívidas demais de R$
40 milhões.
Eram
débitos fiscais ou contraídos pela aquisição do parque da Mônica.
A volta
por cima passou por uma revisão dos negócios, demissão do corpo administrativo
e renegociação da dívida.
Embora
ainda não a tenha pago integralmente, a empresa se equilibrou, investe em novos
segmentos e "vai bem, obrigado".
Todo
mundo tem altos e baixos, a vida toda. De tanto que já apanhei, me acostumei
com a ideia de que pode não dar certo. Só acidentalmente você tem 100% de
resultado.
Várias
vezes arregacei as mangas, investi, e não foi para frente. O negócio é você
atirar com espingarda de chumbinho. Se jogar mais bolinhas no cano, algo você
acertará.
O que
sempre deu certo foram as histórias em quadrinhos. Cinema ,
nem sempre. Tivemos problemas sérios nos anos 90 e decidimos parar. Os planos
econômicos nos tiraram o chão dos pés.
Os
parques temáticos foram um sucesso, sempre operaram no azul. Muita gente até
hoje me diz ter saudade.
Mas
esbarramos em outros problemas. O Parque da Mônica se pagava. Mas o custo da
dívida que acumulei ao comprá-lo, no final do século passado, não.
O parque
era uma parceria com a Globo. Mas ela não foi adiante. Houve um pouco de má
administração de nosso lado, e a Globo saiu do negócio.
Um parque
vive de renovação. Era preciso importar brinquedos, a taxas e juros
proibitivos. É difícil convencer investidores quando a conta não fecha, quando
há outras coisas que rendem mais. O shopping que abrigava o parque também já
não nos queria.
Acuado,
desfiz o negócio em 2010 e decidi que não seria mais dono de parques temáticos.
É um investimento muito grande para nosso esquema. Saí endividado.
De
repente, tinha uma dívida que chegaria a R$ 40 milhões --à dívida do parque se
somaram as fiscais que eu não fazia a menor ideia. Outras áreas da empresa
estavam contaminadas. Houve confusão de documentação e fui castigado pela má
administração de meu pessoal.
Então
troquei toda minha administração. Primeira coisa que pedi para o novo rapaz que
veio cuidar das contas: saber o que custa cada coisa, como estamos cobrando.
Cheguei a
receber uma proposta de aporte de R$ 2 bilhões de um grupo estrangeiro, cinco
anos atrás. Nem tive dúvida, antes de mais nada porque não quero sócios.
"Estou mal das pernas, nem sei o que tenho para vender, espera eu arrumar
a empresa e voltamos a falar", respondi.
Eu não
sabia o que ganhava nem o que sobrava, uma confusão danada. Nem sabia se teria
dinheiro pra pagar o pessoal no mês seguinte.
Veio o
Refis [programa de recuperação fiscal da Receita], ajeitamos as contas. Logo a
gente se livra dos rabichos que sobraram. Boa parte dos que estão comigo hoje
diz que não acreditava que conseguiríamos sair dessa. O bom desempenho de
alguns produtos, como Mônica Jovem e "graphic novels", ajudou.
Hoje
nosso foco é exportação. De três anos para cá, temos investido o dinheiro que
sobra nisso, pois a Turma da Mônica é universal e tem público cativo em países
como China, Itália, Portugal. Agora entraremos com Neymar em quadrinhos na
Espanha.
Exportar
desenhos animados não rende muito, mas abre caminho para o licenciamento internacional,
e aí sim vejo ótimas possibilidades.
De toda
forma, nunca perdi o sono. Hora de dormir é hora de dormir. No início da
carreira, eu trabalhava como repórter policial na Folha. Além das
reportagens, em meio à gritaria do fechamento --e da barulheira das máquinas de
datilografar--, eu tinha que fazer HQs para o dia seguinte. Foi a melhor escola
para eu aprender a não ficar estressado no meio do Carnaval.
Eu era
tudo que um repórter policial não devia ser. Não suportava ver sangue e
desmaiava. Lia um livro por dia e escrevia de forma clássica, inspirado em Eça
e Machado. Na Redação aprendi a utilizar uma linguagem mais concisa... ideal
para o balão de HQ.
Hoje
tenho seis filhos, de quatro casamentos, e mais de vinte familiares trabalhando
na empresa. É uma mistura que deu certo. Mônica, minha filha, é uma diretora
comercial que sabe tudo. Minha mulher, Alice Takeda, diretora de arte, é mais
exigente que eu.
Trabalho
praticamente todo o tempo. Ainda leio todos os roteiros, e estou treinando
minha filha Marina, 27, para me ajudar --e com ela aprendo a linguagem das
novas gerações. Trabalhar com familiares é ótimo. A não ser na hora de mandar
embora.